12 de setembro de 2013.
Aconteceu a coisa mais que eu mais temia: perdi um dos meus avós. A mãe do meu pai nos deixou numa quinta qualquer, que virou a pior quinta-feira de todas. A vida é muito truculenta e faz questão de jogar na cara das pessoas o quão despreparados nós somos. Somos pequenos. Minúsculos.
Antes de eu decidir vir para cá, eu pensei muito nisso. Pensei que a minha avó ia morrer e eu não ia estar presente. Pior do que isso, pensei que eu ia perder os últimos anos de vida dela e chamei ela para uma conversa séria. Acho até que já contei para vocês. Ela me disse que a gente já tinha muitas memórias juntas e que quando ela morresse, eu não poderia fazer muito coisa. Era para eu vir e ser feliz.
A ironia da coisa toda é que essa avó, continua viva, firme e forte. Batam na madeira comigo. A minha outra avó foi que me deixou. Sem aviso, sem preparo, sem conversa. Eu nunca tive medo que ela fosse morrer, pelo simples fato de que eu acreditava com todo o meu coração quando ela me dizia que ia viver muitos e muitos anos.
Ela não tinha nenhum problema sério de saúde e gostava tanto de viver que nem cogitava a ideia da morte. Muito menos eu, muito menos nós. Foi uma puxada de tapete e tanto.
Eu falei com ela na quarta-feira, dia 11. Ela disse que queria comprar um computador para poder me ver. Pedi para ela fazer um videozinho dela e do vô dançando para eu poder montar uma coisinha para o casamento. Ela achou a ideia muito bonita e ainda para completar falou que andava com uma dor nas costas, mas que estava se cuidando para poder dançar bastante no casamento. Ela adorava uma festa.
Mandou beijo para o Chima e para o Jared. Ela sempre repetia o nome dele duas ou três vezes, tentando dizer "certo". Desligamos. Na manhã seguinte, outra ligação. Não era dela.
Era cedo. Eu tinha largado o Jared no trabalho e mal tinha chegado em casa para começar o meu dia. Ele me ligou e disse com a voz apressada. - Eu só quero te avisar que estou chegando em casa daqui uns cinco minutinhos e não tenho a chave da frente. Vou bater na porta.
Eu prontamente perguntei: - por que tu tá vindo pra casa? Aconteceu alguma coisa? Ao que ele respondeu: - já estou chegando, cinco minutinhos. Eu desliguei o telefone sem insistir numa resposta concreta, porque não gosto que ele fale no celular enquanto dirige.
No entanto, assim que eu desliguei, minhas pernas amoleceram e eu sabia que alguma coisa terrível tinha acontecido. Liguei de novo. Cinco minutos era muito tempo.
- Jared me diz o que aconteceu.
Ele não falava nada.
- Jared tua família tá bem? Minha família tá bem?
- To chegando, to aqui na esquina.
- Jared me diz, pelo amor de Deus.
Nessa hora, eu já estava na frente da casa e vi o carro da empresa dele dobrar na nossa rua. Me diz o que aconteceu, eu quase implorava. Aí ele me disse. Ainda pelo telefone: - a mãe do teu pai faleceu.
Eu entendi que alguém da minha família tinha morrido, mas não entendi quem. Entrei em casa aos prantos pensando que o pai da minha mãe tinha morrido. Ele disse que não, que tinha sido a mãe do meu pai. Ainda sem entender, eu perguntei se a mãe da minha mãe tinha morrido. Ele me abraçava e repetia que a mãe do meu pai tinha morrido. Eu não entendia.
Teria sido terrível a morte de qualquer um deles e acho que a confusão faz parte do choque. Ela não tinha nada de grave. Naquela noite, ela teve um ataque cardíaco, chegou a ser levada ao hospital e foi para UTI. Depois do infarto, ela teve uma parada cardíaca e não resistiu. Isso foi o que eu entendi, mesmo que nada disso faça nenhum sentido.
A minha prima, que também mora nos EUA, avisou o Jared, que veio para casa com a má notícia. Ainda bem que deu tempo de ele chegar antes da ligação da minha mãe. Pelo menos ele estava aqui comigo. Ele tirou a manhã de folga e me levou na igreja. Uma igreja bonita. Rezei, chorei, rezei de novo. Acendi velas elétricas. Não tinha Cristo que me fizesse entender essa coisa tão permanente, tão imponente e tão tão triste.
Eu me sentia a pessoa mais sortuda do mundo e enchia a boca para dizer que eu tinha os quatro avós vivos. De qualquer forma, eu continuo muito agradecida por ter tido os quatro o tempo que eu tive. E pelos três que ainda tenho. Se eu pudesse pedir mais um dia, mais uma ligação, mais uma semana, quem sabe dois meses, eu ia querer qualquer pedacinho de tempo a mais com a minha Vó Nenê.
Quando pequena, eu não conseguia dizer o nome dela direito. Então eu chamava ela de Vó Nenê. Aí eu cresci, aprendi a falar, mas continuei chamando ela de Vó Nenê. Quando os meus irmãos nasceram, eles também adotaram o apelido e nós os três chamávamos ela de Vó Nenê.
Eu não ia escrever sobre isso porque não existem palavras para falar da morte. Ninguém sabe o que dizer, mas mesmo sem a gente saber direito, eu acho que precisa ser dito. Eu não ia conseguir vir aqui escrever sobre o casamento como se nada tivesse acontecido. Eu mal consigo responder a pergunta genérica das pessoas - se está tudo bem - sem pensar, não está nada bem, minha Vó Nenê morreu.
Eu falo nela todos os dias. Às vezes me esqueço que ela morreu. Pra mim não parece verdade. Pra mim não passa de uma infeliz ligação telefônica. Aí eu me lembro dela e digo para mim mesma que ela morreu. Quase que um beliscão. Fico triste de novo. Depois passa. E volta. É uma dor que vai e vem.
Não sei como vai ser quando eu chegar no Brasil e ela não estiver lá, falando rápido e bastante, com o riso fácil e solto. Só sei que eu gosto muito da minha Vó Nenê e vou guardar comigo o amor que ela tinha pela vida junto com a saudade que eu já sentia antes, mas que agora é uma saudade diferente. Uma saudade irreversível, sem recarga. Sem fim.